Por que é tão difícil romper com o que nos machuca?
- Ligia Estanqueiros
- 31 de jul.
- 2 min de leitura
Recebi essa pergunta nas redes sociais e ela ficou ecoando em mim. Porque, de fato, nem sempre conseguimos nos afastar daquilo que nos faz sofrer. Mesmo reconhecendo o quanto nos fere, há algo que nos prende. E, muitas vezes, esse algo é o conhecido.

Na clínica, essa questão aparece com frequência. Pessoas que permanecem em relações amorosas, familiares ou ambientes de trabalho que adoecem, ainda que estejam conscientes da dor que aquilo provoca. À primeira vista, pode parecer uma questão de falta de força ou decisão. Mas, quando nos aproximamos com mais cuidado, percebemos que não se trata de uma escolha simples.
O que machuca, muitas vezes, está entrelaçado a histórias que vêm de longe. São modos de amar, de desejar, de existir no mundo que foram aprendidos muito cedo e que, apesar de dolorosos, ofereceram, em algum momento, uma forma de pertencimento ou de sobrevivência psíquica.
Na psicanálise, chamamos isso de compulsão à repetição. Freud foi quem primeiro nomeou esse movimento que nos leva, insistentemente, a retornar a cenas de sofrimento. Mais tarde, Lacan ampliou essa ideia, articulando-a ao desejo inconsciente e à constituição do sujeito: repetimos não porque queremos conscientemente sofrer, mas porque algo de nós se formou naquele lugar, mesmo que atravessado pela dor.
Nem sempre o que machuca é reconhecido de imediato como violência ou desrespeito. Às vezes, o que fere também é o que organizou nossa forma de amar ainda que de forma distorcida. E o que é familiar pode parecer mais seguro do que o novo, mesmo quando o familiar nos fere.
Romper com padrões repetitivos, portanto, não é apenas uma questão de querer ou ter coragem. Não é fraqueza. Existem forças inconscientes em jogo, e elas precisam ser escutadas com delicadeza. Repetir não é, necessariamente, desejar o sofrimento, muitas vezes, é uma tentativa, ainda que inconsciente, de elaborar algo que ficou em aberto na história do sujeito.
A psicanálise nos convida a olhar para isso com profundidade. Não para julgar ou diagnosticar, mas para escutar com atenção aquilo que insiste em retornar. Quando podemos dar nome ao que se repete, abrimos espaço para que algo novo possa acontecer.
Há dor nesse caminho, sim. Mas também há potência: a de transformar o destino em história, o automatismo em escolha e, sobretudo, a de construir relações menos marcadas pelo sofrimento e mais atravessadas pelo desejo.
Na escuta psicanalítica, não se trata de julgar nem de oferecer respostas prontas, mas de acompanhar, com presença e atenção, os movimentos que insistem em se repetir. E, aos poucos, ir nomeando o que estava preso, apertado, esquecido, como quem pacientemente desfaz um nó. Porque é só assim, fio por fio, que algo novo pode encontrar espaço para surgir.
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