O que o vazio que sentimos tem a ver com o modo como amamos?
- Ligia Estanqueiros
- 6 de ago.
- 2 min de leitura
Há um gesto recorrente na experiência de amar: estendemos as mãos ao outro como quem tenta segurar água. Quanto mais forte apertamos, mais escorre. Ficamos com a sensação de que algo nos escapou e de que talvez nunca tenha estado ali.

Mira-se no encontro e se descobre o desencontro. Mira-se no sentido e se encontra o vazio.
O amor é um lugar onde muita coisa se deposita: esperança, fantasia, falta, promessa. Não é raro que esperemos do amor aquilo que nenhuma relação pode oferecer: completude, permanência, certeza. Acreditamos que amar é encontrar um outro que venha preencher o buraco que sentimos dentro de nós. Um outro que nos pacifique, que nos resgate, que dê sentido à vida.
Mas o que sentimos como “buraco” não é um acidente da vida é a própria estrutura da existência. Do ponto de vista da psicanálise, especialmente em Lacan, o sujeito se constitui a partir de uma perda. Algo se perde no começo de tudo. Há um furo, uma falta, que nenhuma presença é capaz de apagar. E é justamente aí, nesse vazio, que nasce o desejo.
Amar, nesse sentido, é sempre uma aposta atravessada por falta. Não há garantias. Não há completude. E mesmo no amor mais intenso, a solidão pode permanecer.
Na tentativa de calar o vazio, transformamos o outro em uma promessa de salvação. E confundimos amor com demanda. Exigimos que o outro nos cure daquilo que nos habita desde sempre, daquilo que, na verdade, ninguém pode oferecer.
Amar não elimina a falta — a revela. Estar com alguém não apaga aquilo que em nós segue silencioso, estrangeiro, inominável. Há sempre um resto, uma parte que não se compartilha, que não encontra tradução.
Talvez amar seja, também, aprender a habitar esse intervalo: entre o que se dá e o que não se alcança. Entre o que se sonha e o que se vive. Entre o que se oferece e o que escapa.
Não há respostas definitivas quando se trata do amor. Mas há algo que se repete: sempre que tentamos colar o outro sobre a nossa falta, o vazio retorna por outras vias mais fundo, mais áspero, mais exigente.
Sustentar esse furo sem pressa de preenchê-lo talvez seja o que permite que o amor não nos roube de nós mesmos.
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